Foto: Pixabay Divulgação
Com a virada de um ano para outro, muitas pessoas relatam um sentimento ambíguo que mistura expectativa por recomeços, frustração pelo que não se concretizou e uma cobrança interna intensa para “fechar ciclos”. Embora dezembro seja socialmente ligado a celebrações, alegria e renovação, psicólogos explicam que esse período costuma intensificar emoções já presentes ao longo do ano, trazendo à tona cansaço emocional, lembranças delicadas e a sensação de que o tempo passou rápido demais.
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Segundo o psicólogo Murilo Padilha, esse impacto emocional está diretamente ligado ao simbolismo cultural atribuído às datas e à forma como o ser humano organiza a própria vida em ciclos. Do ponto de vista neurobiológico, explica ele, o funcionamento humano ocorre em ciclos de 24 horas, conhecidos como ciclos circadianos, mas socialmente o tempo é fragmentado em períodos simbólicos, como meses e anos, que ajudam a organizar metas e expectativas.
Esse processo, no entanto, não é vivido da mesma forma por todos. Enquanto algumas pessoas associam o Natal e o Réveillon a memórias afetivas positivas, outras enfrentam um período emocionalmente mais sensível. Padilha explica que o despertar das emoções é singular e depende das experiências acumuladas ao longo da vida.
– Para algumas pessoas, essas datas evocam lembranças prazerosas em função da construção de memórias positivas ao longo da vida. Para outras, são datas delicadas, que rementem à gatilhos vinculados à experiências familiares angustiantes e carregadas – explica o psicólogo. Ele reforça que, além disso, o contexto social ajuda a reforçar discursos de sucesso, felicidade e produtividade, o que amplia a autocobrança quando a realidade não corresponde a esse ideal.
A psicóloga Geiza Gonçalves, que atua na abordagem da Psicologia Positiva, acrescenta que dezembro costuma coincidir com um período de exaustão física e emocional acumulada ao longo do ano. Segundo ela, muitas pessoas chegam ao fim do ano carregando frustrações, planos interrompidos, relações que se desfizeram e emoções que não foram devidamente elaboradas. Esse desencontro entre o que se sente e o que se acredita que deveria ser sentido pode provocar sentimentos de inadequação e isolamento. De acordo com Geiza, há uma pressão implícita para estar feliz nesse período, o que faz com que emoções como tristeza, frustração ou cansaço sejam reprimidas.
– Dezembro traz essa ideia de festividade, de celebração, de emoções positivas e energia boa para um recomeço. Mas muitos de nós chegam nessa época do ano sem conseguirmos nos conectar dessa forma “esperada”, porque já trazem uma carga física de cansaço e exaustão e também uma carga psíquica, emocional, de frustrações, planos que não saíram como previsto e relações que se desfizeram – explica.
Outro ponto destacado pelos especialistas é a dificuldade em lidar com a frustração. Murilo Padilha ressalta que a frustração é inerente à condição humana e faz parte do processo de amadurecimento, mas que a dificuldade está em aceitá-la.
– A autocobrança pode surgir tanto de não ter estabelecido metas realistas ou até mesmo por conta de imprevistos que ocorreram no meio do trajeto. Uma parte da nossa vida está em nossas mãos e outra é suscetível à eventualidades e incertezas que não temos controle – destaca Padilha.
Segundo ele, muitas pessoas não reagem bem quando as coisas não acontecem exatamente como o planejado. Geiza complementa afirmando que há uma tendência natural de direcionar o olhar para o que não deu certo, deixando em segundo plano tudo o que foi construído ao longo do caminho.
– Existe uma grande tendência em focar no que não está bom, no que frustrou, no que causou dor. Mas nós somos muito mais do que aquilo que não deu certo. Quantas coisas na nossa vida já deram certo e estão dando certo, mas a nossa percepção muitas vezes está focada apenas no que não está bom – afirma.
Para atravessar esse período de forma mais saudável, os psicólogos apontam que o primeiro passo é ajustar expectativas e abandonar a ideia de que o fim do ano precisa representar um fechamento perfeito. A reflexão pode ser um exercício importante quando feita de maneira equilibrada, ajudando a identificar pontos de melhoria e a rever trajetórias.
Quando o assunto são as metas para o próximo ano, a orientação é buscar mais realismo e autoconhecimento. Padilha destaca que objetivos precisam estar alinhados aos valores pessoais e aos recursos disponíveis no momento.
– Metas realistas devem ser pautadas em muito autoconhecimento, saber o que queremos para a nossa vida, aquilo que nos motiva e principalmente elas devem ser uma compatíveis com os nossos valores. Saber em que ponto estamos, quais recursos temos e quais necessitamos buscar, dividir elas em “micro-metas”, pois pequenas vitória nos impulsionam e nos dão energia para continuarmos engajados no processo – afirma o psicólogo
Geiza reforça que projetar o futuro de forma positiva pode ser uma ferramenta importante, desde que não se transforme em mais uma fonte de pressão. Segundo ela, a neurociência mostra que o cérebro reage às imagens mentais como se fossem experiências reais.
– Quando eu me imagino vivendo algo bom, o cérebro entende isso como real e gera sensações boas, motivação e energia. Não se trata de negar o que machuca, mas de reconhecer o que dói e, ao mesmo tempo, idealizar o que eu desejo viver – explica.
A psicóloga também destaca a importância de viver o presente, sem adiar a felicidade para um futuro idealizado. Para ela, buscar satisfação possível no presente, apesar das imperfeições, contribui para mais presença, clareza emocional e qualidade de vida. Ao invés de enxergar o fim do ano como um tribunal das próprias falhas, os especialistas recomendam encará-lo como um ponto de pausa e reflexão, sem a obrigação de resolver tudo em dezembro. Ajustar expectativas, reconhecer limites e valorizar pequenas conquistas pode tornar a transição para o novo ano menos pesada e emocionalmente mais saudável.